Afirma o dicionário que maternidade “é a qualidade de ser mãe”. Perguntemos a uma mãe que defina o que é maternidade e logo perceberemos que não há resposta simples e objetiva para esse termo. A Língua Portuguesa classifica a palavra “maternidade” como um substantivo singular, mas caso não houvesse as definições técnicas, poderíamos perceber que ali está compreendido o verbo, o adjetivo e os advérbios; a pluralidade de sentimentos, emoções e razões. Um ser inteiro chamado a gerar e doar-se a outro ser. Portanto, não cabe em um simples conceito. As palavras pouco definem o que de fato o é. Sua definição está na vivência, na experiência. A maternidade é construída e aprendida no dia-a-dia por aqueles que são alcançados por essa vocação. Para tanto, busquemos a referência na experiência de uma mãe, que compreende em sua vida a completude da maternidade: Maria.
Quando “o Verbo de Deus se fez carne”, desejou habitar entre nós experimentando ser o centro da vocação materna. Sim, pois a centralidade da vocação materna, não é a mãe, mas o filho; e em seu desdobramento está na relação mãe-filho/filho-mãe. Jesus nos revela o grande vínculo que mantinha com Maria, desde sua concepção até a morte e ressurreição.
Maria tem valor único para Deus. É possível percebermos inclusive na forma com que o Anjo se dirigiu a ela já no anúncio de sua maternidade: a cheia de graça. Mulher plena. Na passagem da Anunciação (Lc 1, 26-38) percebemos Maria como uma mulher que busca a compreensão do que está acontecendo, demonstrando postura ativa e livre diante de sua escolha em assumir a vocação que Deus lhe propõe. Pelo sim cooperativo de Maria, Deus fez de uma mãe única, modelo para todas as outras. A Mãe das Mães nos ensina aqui a ir além de nós mesmas, por um sentido maior; para doarmos nossas vidas e abraçarmos aquele que nos é enviado por filho. Vale lembrar que “doar-se”, não significa perda de identidade, mas reconstrução e ampliação do significado de si mesma. Ser mãe não é apenas ser limitada em muitas circunstâncias, mas é ser ilimitada na profundidade do ser e no alcance do outro. Experimentamos a impotência e a potência de forma constante. Em uma realidade atual onde expressões como “doação”, “serviço”, “dedicação ao outro”, revelam-se distorcidas, vistas como ingenuidade, utopia ou ainda como a forma antagônica da “dedicação a si própria”, investimento “em mim mesma”, é preciso relembrarmos que o cristianismo é a religião que assume por maior premissa a vivência do amor doação. O amor não se faz em postura de isolamento, mas em comunhão, em relação. No caso específico da maternidade, o amor não está na teoria e nem somente no desejo, mas na prática do dia-a-dia, trazendo sim renúncias, sustos, dores e frustrações... Trazendo também alegria, afeto, carinho, ternura em doses altíssimas, que darão sentido de superação às angustias, elevando a intensidade do amor, renovando as esperanças. A maternidade alarga o coração daquela que investe em sua vocação. Porém cuidado: doar-se, não é sufocar o filho, colocá-lo em uma redoma, impedindo sua autonomia e nem achar que ele é seu somente. Isso não é zelo, é excesso de posse; não provém do amor doação, mas da insegurança ou egoísmo humano.
Além disso, vale ressaltar que a maternidade de Maria foi amparada e alicerçada também na paternidade de José. O grande cuidador da Família de Nazaré foi suporte na cooperação da missão de Maria e na educação de Jesus. É possível identificarmos as pistas do dia a dia daquela família. Ali cresceu Jesus, viveu a infância, a adolescência, a juventude e boa parte da idade adulta. Naquele ambiente, crescia “em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens (Lc 2, 52).”
Uma das experiências vivenciadas por Maria que não pode nos passar despercebida é seu encontro com a também grávida, Isabel. (Lc 1, 39 – 56). Além da iniciativa, dinamismo e cuidado, em se dispor a ajudar sua prima, a alegria que brota dos lábios dessas duas santas mulheres demonstra todo o gosto por serem mães. Isabel a vê como Bendita entre todas as mulheres e Bendito o fruto de seu ventre. Um grande apontamento para a maternidade mariana, como referência a todas as mães. Ela é a Mãe Bendita do qual precisamos acolher como modelo. Ao entoar o Magnificat, Maria revela um impressionante conhecimento da história da salvação, da confiança em Deus e da disposição em cumprir sua missão. Missão essa que inicia na experiência de um Sim confiante e entregue. Maria, não sabe tudo que se dará, mas sabe o essencial e segue sua trilha materna. Nossa maternidade se dá de forma semelhante: os filhos não nascem com manuais, não sabemos de tudo, mas vamos tentando fazer o nosso melhor. Não alcançamos tudo, não estamos em todos os espaços onde eles estão e não somos suas únicas formadoras. Mas estamos aqui e firmes seguimos no itinerário vocacional da maternidade: observando, aconselhando, direcionando, rezando para que façam as escolhas certas.
Pensemos na aflição vivenciada por Maria quando não encontrava seu filho de 12 anos. Procurou, juntamente com seu marido, José, cerca de três dias (Lc 2,41-50). Encontrou-o no templo em debate com os doutores. “Meu filho, porque agiste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos”, questiona. Qualquer mãe que tenha perdido seu filho de vista ainda que por poucos segundos, compreende tamanha agonia. O chão parece se abrir abaixo dos nossos pés, o tempo parece parar, a culpa e a instabilidade emocional aparecem. Pois Maria, certamente viveu a aflição e ao encontrar seu filho, escutou, guardando serenamente em seu coração a frase que demonstrava autonomia missionária de Jesus: “Por que me procuravam? Não sabem que devo cuidar das coisas do meu Pai?” De formadora, passa a ser também formada. Maria revela-se com uma personalidade bastante equilibrada. Guardar as coisas no coração é uma das maiores ações maternas, grande ensinamento deixado a nós. Equilibrar-se diante da tensão interna e externa: certamente o grande anseio de muitas mães. Outro olhar possível é identificarmos pela pedagogia materna, é possível a alternância de papéis e reconhecermos que ensinamos muito aos nossos filhos, mas o fato é que aprendemos sobremaneira com eles. Nossos filhos nos colocam diante de nós mesmos o tempo todo.
Seguindo em análise, chama-nos atenção o início da vida pública de Jesus. Enquanto mantinham o convívio social, temos a bela passagem do casamento de seus amigos em Caná (Jo 2, 1-11). Lá está Maria observando e se antecipando ao sofrimento dos seus queridos. Zelosa, em atitude protetora, impedindo que viesse a público o constrangimento, assume a responsabilidade da mediação e intercede ao único que pode ajudar, seu Filho. Ainda que Jesus afirme que sua hora ainda não havia chegado, em atenção a sua mãe iniciou efetivamente sua missão. A atitude de mãe e filho nessa passagem demonstra um vínculo de confiança mútua fundamentada na intimidade entre os dois. Ainda hoje, Maria, confiante na ação de seu Filho, segue nos dizendo “Fazei tudo o que ele vos disser.” É preciso, como mães, nos dispormos e darmos tempo de qualidade ao olhar atento, acompanhando de perto ou de longe, o caminho de nossos filhos. Fazendo as ponderações, as mediações, indicando os limites, dando o afago, sendo o porto seguro, dando-lhes “asas para voar” e “raízes que os sustentem”.
Outro fato revela o que Maria ouviu na profecia de Simeão (Lc 2,22-38): “E a ti mulher, uma espada de dor transpassará sua alma”. Muitas mães enfrentam dores e aflições que lhe ferem o interior. Maria viu seu Filho, injustamente sofrer violências atrozes: vítima de humilhação e escárnio, tortura e deboche, acompanhou toda a dor de Jesus de forma presente, sem preocupar-se em ser apontada como a mãe do condenado. Ergueu-se, mantendo-se em pé diante da Cruz que pendia seu Filho. Viu-o entrega-la aos cuidados do seu amado discípulo, assim como entregou João, aos seus cuidados maternos. A mãe não ficou no desamparo e permaneceu no exercício de sua maternidade. João representa toda a comunidade cristã a quem Jesus confiou a santa maternidade de Maria e também, para a Igreja, Maria direciona seu olhar atento e cuidado efetivo. A lança que cortou o lado de Jesus atravessou a alma de Maria, e esta se manteve firme e confiante na ação divina. Há mães que fazem a experiência de dor profunda ao verem seus filhos vítimas das diversas violências de nosso mundo. Veem seus filhos feridos em sua dignidade. Há mães que agarram-se em todas as esperanças diante da doença de um filho. Outras, convivem diariamente com a presença de um filho que já não está mais aqui, mas que vivem em seus corações e em suas mentes. Mulheres que devem se amparar na Mãe das Dores. Maria que viveu a dor, mas não parou na dor. Confiante no bem maior que derivou da Cruz, tornou-se a Mãe do Ressuscitado.
A presença de Maria na Igreja nascente contribuiu para a congregação do grupo de discípulos, mantendo-se fiel até o fim (At 1, 12-14; At 2). É a Mãe que viu e ainda vê seu Filho habitar no coração de muitos homens.
Para as mães de hoje, o exemplo de Maria continua atual. Nossa maternidade é convidada a encontrar consonância na maternidade de Maria. Não foi uma mãe que pode oferecer um belo enxoval para o seu filho, sequer um berço pode oferecer. Não ofereceu uma bela casa ou diversos títulos acadêmicos. Ofereceu o que de melhor e mais precioso tinha: o seu próprio ser. Doado integralmente, gratuitamente, infinitamente, ao seu Filho e a todos que recebeu e recebe como seus.
Para que nossa geração de mães continue a reconhecer Maria como a Bendita entre todas as mulheres, suplicamos: “Roga por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignas das promessas de Cristo”. Ensina-nos a sermos dignas de nossos filhos, tu que és a mais digna de todas as mães. Amém!
Fraterno abraço,
Patrícia E. de Lima Teixeira
* Artigo publicado no site http://www.alianca.fm.br/formacao no mês de maio/2014.
Fraterno abraço,
Patrícia E. de Lima Teixeira
* Artigo publicado no site http://www.alianca.fm.br/formacao no mês de maio/2014.

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