“O homem não vive sem amor.
Ele permanece para si mesmo um ser incompreensível,
sua vida é destituída de sentido se não lhe revelar o amor,
se não se encontrar com o amor,
se não o experimentar apropriando-se dele,
se não participar dele vivamente”¹
O belo parágrafo escrito pelo Papa João Paulo II aborda a verdade que constitui a pessoa: o ser humano é chamado à vida para amar e ser amado. Muito mais do que um sentimento agradável, o amor traz em si a vontade e a ação concreta geradora do bem ao outro. Amar é fazer o bem ao outro, pelo outro, nos ensina São Tomas de Aquino. Nessa perspectiva, o amor tem suas diferentes características, que nos confirmam e nos fortalecem enquanto pessoas. No seio de uma família, como filhos, é possível encontrarmos o amor, através das suas formas distintas, porém complementares: o amor da mãe, o amor do pai, do irmão e dos avós, por exemplo. No mosaico das relações que travamos, o amor vai se construindo em nós. Cada qual com suas características, desafios e peculiaridades, contribuindo para a formação de nossa personalidade, capacidade psico-cognitiva, desenvolvimento de nossas competências e habilidades, formas de socialização, bem como, os princípios e virtudes que fazem parte do que somos.
Daremos agora, maior atenção para a paternidade, como via do amor que constitui um filho. Via distinta, com seus contornos próprios, o amor do pai é tão importante e necessário quanto o amor da mãe. Na pedagogia do ser, a maternidade e a paternidade devem buscar o equilíbrio e o vínculo saudável em favor da educação do filho. O filho não é da mãe ou do pai, é dos dois. Faz muito bem o homem que abraça sua paternidade de modo participativo e presente. Também faz muito bem a mãe que dá espaço para o pai ser pai efetivamente.
Pensemos de forma ideal, já que os ideais nos remetem para frente. Ao nascer uma criança, nasce um ser totalmente dependente de cuidados e necessidades. No vínculo inicial mãe-bebê, o pai faz o entorno da proteção e logística. Na sequência, o pai se relaciona com o filho formando um vínculo próprio, de sustento e confiabilidade. É na família que a criança necessita encontrar o seu ninho, seu abrigo e porto seguro. Nesse ambiente, o pai é chamado a ser suporte, estabilidade, base de sustentação na vida do filho. Na ação do pai, torna-se cada vez mais urgente a criança encontrar o limite, a referência, a correção, a segurança: “Até aqui tu podes, ali não.” Se a mãe tem o colo confortador que faz o filho voltar-se para si mesmo, o pai tem a mão segura que o ergue e o faz ir para além de si. Próprio do olhar masculino, a objetividade, a visão direcionada, a força interior, a determinação clara das regras norteadoras, possuem valor fundamental para a condução da autonomia do filho. Bem como, o brincar com o pai, amplia no filho o desejo da aventura, da construção, da criatividade, das “engenharias inventivas”, do arriscar-se, do tentar de novo e de novo até tornar possível o que foi arquitetado. Brincar com o pai é diferente de brincar com a mãe. É bom que ambos brinquem juntos com seus filhos, mas também é bastante saudável que ora o filho brinque com a mãe, ora brinque com o pai. Não para afastar, mas para a internalização e comparação do que vem do pai, daquilo que vem da mãe; como age o masculino, como age o feminino.
Anos atrás, em um grupo de crianças entre 9 e 10 anos, questionei o que mais gostavam em seu pai. Rapidamente uma criança respondeu: “gosto do meu pai inteiro, com tudo que ele é”. Outra ainda disse: “meu pai é o cara das certezas, ele sabe tudo”. E outra: “meu pai tem o abraço que mais me protege”. Ainda outra: “eu queria ter tido um pai, mas eu não o conheci.” Interessante. Por mais que a família seja atingida sobremaneira em nossa atualidade, as crianças naturalmente buscam no amor do pai, o amor do sustento e da edificação do ser. Há pais incertos do que fazer, de como agir para educar o filho. Se por um lado, a insegurança faz parte, visto que cada filho os desafia de uma forma própria, por outro lado, pode ser consequência da angústia de viver em uma época onde a paternidade é bombardeada em sua autoconfiança e até mesmo em sua existência. A masculinidade tem sido desenhada por algumas instâncias e meios sociais, como as garatujas dos desenhos infantis: sem definições, sem perspectiva, sem referências, sem característica. Uma lástima com graves consequências pessoais e sociais. Tira-se o pai da sociedade, perde-se o amparo seguro, o amor que rege e norteia em completude e equilíbrio ao amor da mãe. A falta da paternidade faz redobrar o esforço materno e vice-versa. Quando um não assume seu papel, torna exausto o outro.
Os pais cristãos precisam alertar-se em não cair nas armadilhas da atualidade, buscando assumir-se e educar-se conforme as virtudes e valores evangélicos. A grande referência de paternidade humana está no pai que adotou Jesus por filho: José. Primeiramente, José abriu espaço em sua vida para receber um filho. Foi amparo e segurança para a mãe de seu filho. Diante da angústia do “não há lugar”², manteve-se perseverante. Como carpinteiro fez o melhor possível para dignificar e tornar em abrigo a estrebaria que recebeu Jesus. Apesar do talento, não pode construir o berço, nem o baú de pertences de seu filho. Ainda assim, José não parou na frustração. Protetor de sua família guardou com segurança a vida de seu filho e de sua esposa diante de adversidades que iam muito além de suas capacidades de compreensão. Agiu com o sentido de pertença - “são meus”- tomando para si a responsabilidade da garantia da vida e do companheirismo, cooperando com a vocação de sua esposa e filho.
O Papa Francisco se referiu a São José como o “guardião”. Considera o Papa a “ presença constante e fidelidade total(...) acompanha com solicitude e amor cada momento(...) mostra-se sensível com as pessoas que lhe estão confiadas, sabe ler com realismo os acontecimentos, está atento aquilo que o rodeia e toma as decisões mais sensatas (...) responde a vocação de Deus: com disponibilidade e prontidão (...)um homem forte, corajoso, trabalhador, mas, no seu íntimo, sobressai uma grande ternura, que não é virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor(...). Fica o conselho a todos nós: “Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!”³
Que os pais guardem seus filhos e a mãe de seus filhos. Que as mães guardem o valor e a dignidade do pai de seus filhos. Que os filhos guardem com atenção e respeito seus pais. Eis a dinâmica familiar que somos desafiados a construir e manter.
Que por intercessão de São José, cada pai carregue a graça de revelar o amor de seu jeito único, indispensável e perseverante, imprimindo em seu filho, o sentido de ser querido, desejado, acompanhado, estimulado em seu desenvolvimento integral. Não há “manuais de paternidade”, mas no amor responsável certamente se constrói uma excelente via condutora.
Fraterno abraço,
Patrícia Espíndola de Lima Teixeira
* Artigo publicado no site http://www.alianca.fm.br/formacao no mês de agosto/2014
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1. Carta Encíclica Redemptor Hominis, n.10
2. Cf. Lc 2,7.
3. Trecho da homilia do Papa Francisco na Solenidade de São José em 19/03/2013. Missa Inaugural de seu Pontificado.


1 comentários :
Belo texto!
{'Não há “manuais de paternidade”, mas no amor responsável certamente se constrói uma excelente via condutora.}
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